Manifesto

Finanças para as pessoas e não as pessoas para as finanças

Arcadi Oliveres

PREÂMBULO

Xs Cooperadorxs da FESCOOP – Cooperativa para o Desenvolvimento das Finanças Éticas e Solidárias reconhecem que:

O atual sistema económico e financeiro contem, em si mesmo, os germes de crises periódicas cujos graves efeitos são suficientes para obrigar a repensar o modelo vigente de organização da produção, da afectação e distribuição de recursos e de consumo, explorando alternativas possíveis e reais para construir uma sociedade socialmente justa e ambientalmente responsável.

O sistema financeiro dominante rege-se, de forma quase exclusiva, por critérios de rentabilidade a curto prazo, reforçando instrumentos de intermediação e regulação que conduzem a formas cada vez mais sofisticadas de especulação, sem ligação à economia real e sem preocupação pelo bem-estar colectivo e pelo desenvolvimento humano equitativo e sustentável.

A intermediação financeira pode constituir uma função útil para a promoção do bem comum e socialmente essencial quando i) posta ao serviço de relações de equidade entre pessoas e organizações, num contexto do desenvolvimento comunitário; ii) não privilegia o lucro e a sua exclusiva distribuição por detentores de capital e iii) rejeita todos os mecanismos de especulação.

A existência, em Portugal, de um elevado número de pessoas e empresas endividadas e insolventes coloca a necessidade premente de desenvolver uma estratégia sólida e sistémica de resgate do sobre-endividamento e de mudança no sentido da mobilização de recursos para uma efectiva capacidade produtiva e redistributiva.

As Finanças Éticas e Solidárias (FES) são instrumentos reais de intermediação financeira que, por incorporarem a procura da coesão social, a justiça e a dignidade humana no conjunto das decisões de poupança e investimento, possuem um elevado potencial de transformação.

As FES contribuem para romper com as regras e práticas predominantes no mercado através da transparência, da responsabilidade social e ambiental, e de uma outra visão sobre o mundo, as pessoas e a economia.

As FES são instrumentos pelos quais os/as aforradores/as (pessoas e organizações) exercem o seu direito a conhecerem e controlarem onde e como são aplicadas as suas poupanças, criando uma nova forma de poupança e investimento, que procura simultaneamente o benefício social, ambiental e económico.

As FES apenas investem em projetos com impacto social e ambiental positivo e são trocas justas, igualitárias e solidárias entre organizações, cidadãos e cidadãs aforradorxs, cujos recursos são disponibilizados a grupos e indivíduos tradicionalmente excluídos do acesso ao crédito, que dele necessitam para a realização de um projeto coletivo, profissional ou pessoal.

DECLARAM que:

Um modelo de sociedade baseado na justiça e na solidariedade favorece a produção e distribuição de riqueza tendo em conta as necessidades de cada pessoa e/ou de cada comunidade.

Um conceito amplo de riqueza deve incorporar na gestão das atividades económicas, os valores da equidade, justiça, fraternidade, solidariedade social e democracia participativa.

Os instrumentos financeiros éticos e solidários são indispensáveis a transformações positivas e duráveis dos territórios e à coesão e à qualidade de vida das comunidades.

Os cidadãos e cidadãs devem poder:

  1. optar por estabelecer relações com instituições financeiras que pautem a sua atuação por valores como a promoção do bem comum e o desenvolvimento humano equitativo e sustentável;
  2. exercer o direito de saber e controlar onde e como são aplicadas as suas poupanças, investindo apenas em projetos com impacto social e ambiental positivo e transformador das injustiças em justiças e recusando investimentos que atentem contra os princípios de justiça e equidade;
  3. tomar decisões informadas sobre os objetivos dos empreendimentos a financiar para poder recusar, designadamente, negócios que envolvam a maximização do lucro independentemente das suas consequências socioeconómicas, ações ambientalmente destrutivas, o investimento em armamento, a produção e o tráfico de substâncias psicoativas ilegais, o investimento em mercados especulativos, etc.

A solidariedade, mais do que um direito, é um dever que interpela a responsabilidade de todxs, pelo que é indispensável uma ampla participação e responsabilização na construção de respostas às necessidades das pessoas e das comunidades.

As pessoas e organizações devem poder auto-organizar-se para o bem comum e criar redes promotoras de atividades com impacto positivo nos territórios e na sociedade.

A transformação do modelo social e económico vigente só é possível através da democracia participativa, da transparência e de formas de governação justas, igualitárias e de responsabilidade partilhada, com respeito pela pluralidade e a individualidade.

A criação de novos instrumentos financeiros deve criar pontes entre experiências, pessoas, organizações e territórios e assegurar que as diferentes alternativas sejam complementares e não concorrentes.

COMPROMETEM-SE a:

  1. Desenvolver e consolidar a FESCOOP – Cooperativa para o Desenvolvimento das Finanças Éticas e Solidárias, enquanto movimento agregador de pessoas, organizações e comunidades que, implicadas na transformação social, contribuem para a construção de instrumentos financeiros éticos e solidários em Portugal.
  2. Defender e promover princípios de participação, horizontalidade, transparência, democracia, solidariedade e justiça.
  3. Implementar modelos baseados na organização territorial das pessoas e comunidades associadas, defendendo a responsabilidade social e ambiental como critérios para a gestão e aplicação de poupanças.
  4. Fomentar a literacia financeira de cidadãos e cidadãs, disseminando conhecimento sobre as regras de funcionamento do sistema financeiro e lutando contra a financeirização da economia e da sociedade.
  5. Sensibilizar a sociedade portuguesa sobre alternativas de poupança, eticamente responsável e solidária.
  6. Promover e apoiar iniciativas de finanças éticas e solidárias, adaptadas e adequadas às reais necessidades dos territórios, das pessoas e das comunidades.
  7. Fomentar a investigação, a disseminação e a monitorização do enquadramento legal sobre serviços financeiros: banca, fundos solidários, cooperativas de crédito, seguros éticos, associações de crédito solidário, etc..
  8. Apoiar movimentos e redes que atuam na transformação das estruturas geradoras de injustiça.
  9. Trabalhar em parceria com organizações estrangeiras e redes internacionais com experiência na construção e promoção de instrumentos financeiros alternativos.
  10. Desenvolver um trabalho de advocacia e influência pública e política sobre a adequação do quadro jurídico português para a construção de instrumentos financeiros que ponham a economia ao serviço das pessoas.
  11. Participar na construção de uma Banca Ética no nosso país.
  12. Disponibilizar a todas as pessoas e organizações documentação sobre FES (estudos, análises e conclusões) isenta de direitos comerciais, de forma livre e sem restrições.
  13. Manter o projeto independente de partidos políticos, credos religiosos, ou qualquer outra tipologia organizacional restrita, estabelecendo relações de diálogo e de transparência com todas as pessoas que a ele se queiram juntar.